30 de outubro de 2011

HU recupera a vida que as chamas quase apagaram


Além das cicatrizes, as lembranças ainda doem na memória das vítimas de queimaduras. Profissionais do Centro de Tratamento de Queimados ajudam a superar os ferimentos e os traumas


Texto: Paulo Monteiro (matéria publicada originalmente pelo jornal Folha Norte:jornalfolhanorte.com.br). Fotos: Walkiria Vieira


“Já estavam até preparando o velório do meu filho por causa da gravidade dos ferimentos”, relembra emocionado o produtor rural Antônio Vitorino da Silva, sobre o acidente que quase tirou a vida do pequeno Jackson, de seis anos, que teve o rosto e várias partes do corpo queimadas por gordura. O caso é mais um dentro do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Universitário (CTQ), que atende todo o Paraná e outros estados, numa média de 200 pacientes por ano, entre crianças e adultos vítimas de queimaduras resultantes de um simples dedo na tomada até grandes explosões.


Como se fosse ontem, Antônio ainda tem muito vivo em sua memória aquele terrível acontecimento. “Foi na tarde de 17 de agosto de 2010, em Ramilândia, a mais ou menos 450 km de Londrina. Eu tirava leite de uma vaca e minha mulher preparava um torresmo no quintal, quando escutei um grito e fui ver o que era. Meu filho havia derrubado uma panela com gordura quente em cima dele”, relata o produtor o drama que estava só começando.


“Percorri 25 km até o pronto-socorro da cidade. Depois de cinco dias internado, ele foi transferido para Foz do Iguaçu.” Devido à gravidade dos ferimentos, Jackson sofreu uma parada cardíaca e aí, conhecidos da família, começaram a preparar o velório. “Ele estava com queimaduras de 3º grau e uma febre muita alta. As enfermeiras colocavam pedras de gelo sobre o corpo dele e davam soro gelado para baixar a temperatura.” A única saída para salvar o garoto era a transferência para o Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Universitário. “Nunca me trataram tão bem num hospital como no HU de Londrina. Se ele tivesse ficado em Foz, acho que teria morrido.”


Depois do choque, os pais começaram a se sentir culpados pelo acidente. “Eu e minha mulher nos sentimos muito responsáveis pelo o que aconteceu. Inclusive, ela ficou com depressão por um tempo.” Foi aí que, além do atendimento médico, os profissionais de psicologia do HU entraram em cena. “Eles me confortaram”, revela o pai. Depois de 27 dias internado, Jackson recebeu alta. Mas os traumas estão longe de ser esquecidos. “Meu filho quase desistiu da aula. Infelizmente, em Ramilândia, os coleguinhas de escola tiravam muito sarro da situação dele, mas hoje já superaram suas diferenças.”


“Dói só de pensar”


A terapeuta ocupacional Priscila Bodnar é outra que não esconde a emoção quando o assunto é queimadura. “Dói só de pensar”, diz ela ao lembrar-se do dia 24 de agosto de 2010. “Nasci em Guaratuba, havia passado num concurso e fui chamada para trabalhar em Maringá. Não tive tempo de procurar uma casa, morei em um hotel durante dias até que encontramos um pequeno imóvel.” O local, que só tinha uma porta e duas janelas basculantes, foi o cenário do filme de terror que Priscila e o marido protagonizaram. “Depois de dias comendo bolachas, enfim, fui cozinhar feijão num fogareiro de duas bocas. Minutos após pegar pressão, a panela explodiu”, conta. “Em minutos, as chamas ocuparam a casa, a porta estava toda incendiada e pelas janelas era impossível fugir. Perdi a consciência e só acordei no hospital de Maringá.”


No acidente, a terapeuta teve o rosto, as costas e as mãos queimados, além de ter perdido todo o cabelo. “Tive que esperar cinco dias por uma vaga no CTQ de Londrina.” Priscila precisou fazer enxertos nas mãos e seu marido, segundo ela, ficou num estado ainda mais grave. “Tudo dói. A queimadura é a pior dor de todas e só de lembrar, ainda choro.”


Atendimento psicológico

ajuda a superar traumas


“A minha função é fazer com que o paciente sobreviva psicologicamente”, adianta Ana Lilian Marquesani, psicóloga do Centro de Tratamento de Queimados. Há 17 anos atendendo pacientes em estado crítico, a profissional conhece bem os atalhos para ajudá-los. Tudo começa em um atendimento carinhoso. “Meu trabalho, primeiramente, é acolhê-los. Busco sempre estar presente porque a pessoa fica muito vulnerável, praticamente imóvel e dependente de tudo. Dou água, ajudo a comer e sou um pouco enfermeira também”, revela. “Quando o paciente começa a se reorganizar, eu começo a transformá-lo psicologicamente”, destaca.


Segundo ela, no hospital o sofrimento se deve aos ferimentos e ao medo de perder a vida. “Pra fugir da dor, muitos pedem pra morrer. Mas a maioria agradece por estar vivo”, explica Ana, que tem como ferramentas os livros, CDs de música e recortes animados para as crianças. No entanto, isso é só uma parte do tratamento realizado pela psicóloga, já que após receberem alta, começa outro desafio. “Lá fora existe a questão social, onde terão grandes tarefas pela frente, como a reintegração social e o preconceito.” Nesse estágio, as crianças são as que mais sofrem, “porque a sociedade não está sensibilizada e nem preparada para recebê-las. Algumas não voltam à escola por causa do constrangimento que passam”.


70% dos acidentes são domésticos


Segundo Elza Anami, enfermeira chefe do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Universitário, 70% dos acidentes acontecem dentro de casa. Para evitar a evolução deste número, ela recomenda aos pais que não deixem as crianças na cozinha na hora do preparo das refeições, devido ao risco das panelas no fogo caírem sobre elas. Também é preciso tomar cuidado com fios desencapados e tomadas de energia desprotegidas. Já aos adultos, a precaução deve ser com o álcool líquido, principalmente no acendimento de churrasqueiras, e na limpeza de casa. Elza lembra que produto pode ser substituído por outro, quando se trata de limpeza.


Números de 2010

Internações gerais: 194 (60 crianças e 134 adultos).

Crianças

Idade média: quatro anos.

Sexo feminino: 42%.

Sexo masculino. 58%.

Causas

Escaldo (quando um produto cai sobre a pessoa e provoca queimaduras): 47%.

Fogo: 32% (25% álcool).

Adultos

Idade média: 36 anos.

Masculino: 69%.

Feminino: 31%.

Causas

Escaldo: 17%.

Fogo 72% (álcool 39%).

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